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O Rio para o Mundo: cidade, cultura e economia global no Rio de Janeiro do G20

Marcos de Paula/Beth Santos

1

dezembro 2023

por

Pedro Vormittag

I. Introdução

Entre 1 de dezembro de 2023 e 30 de novembro de 2024, o Brasil presidirá o G20, fórum que reúne as principais economias do mundo para debater as mais urgentes soluções para a ordem econômica internacional. A cidade do Rio de Janeiro foi escolhida como sede para a maioria dos principais encontros do bloco durante a presidência brasileira. Entre Cúpulas de Sherpas e Chefes de Estado, reuniões de grupos de engajamento como o T20, o Y20 e o W20 e incontáveis eventos paralelos, o Rio de Janeiro ocupará o centro das atenções internacionais em 2024.

O Rio de Janeiro simboliza o Brasil para o mundo, e não será a primeira vez que a cidade se presta a tal papel. Com o potencial de atrair dezenas de milhares de pessoas às cidades que recebem suas reuniões, de certa maneira o G20 se assemelha a grandes eventos como os Jogos Olímpicos, as World Expos e a Copa do Mundo FIFA de Futebol: um farol que mobiliza os olhos do mundo. No caso do G20, trata-se do maior evento de cúpula internacional da história do Brasil — superando até mesmo a histórica Rio 92.

Mobilizações desta magnitude costumam transformar a paisagem dos espaços geográficos por onde passam; e suas externalidades podem ser positivas ou negativas, duradouras ou efêmeras.

Assim como mudaram o mundo e o Brasil, o Rio de Janeiro que recebe o G20 em 2024 é diferente da cidade que recebeu as Olimpíadas em 2016 ou a Cúpula da Terra de 1992. Ademais, o G20 está longe de ser um evento de massas: seu público é audiência especializada, formadora de opinião pública internacional, mobilizadora de investimentos nas mais diversas áreas e influenciadora de decisões políticas — em âmbito local, regional e global.

Entre recursos atraídos à economia local pelo turismo, atenção da mídia nacional e internacional à cidade como palco do noticiário político, aproveitar externalidades positivas deixadas por eventos dessa magnitude não é fenômeno automático: antes, exige agência política e coordenação de esforços.

1. Qual é a imagem do Rio de Janeiro para cuja construção os eventos do G20 devem contribuir?

2. Como pode o G20 contribuir para a agenda de desenvolvimento e o posicionamento internacional de uma cidade como o Rio de Janeiro?

As respostas para estas pergunta são fruto de deliberação estratégica, conduzida por uma pluralidade de atores do Estado e da sociedade civil brasileiros, além da própria sociedade carioca.

É a esta discussão que este documento se dedica.

II. Um passo atrás: da conjuntura internacional à local

Em 2021, o historiador Adam Tooze trouxe às análises de conjuntura o conceito de policrise para dar conta da multiplicidade de desafios à frente da humanidade em nosso tempo. Para o historiador de Columbia, vivemos uma era de crises entrelaçadas que se potencializam mutuamente. Crises globais de novo tipo, como a dimensão ética da revolução digital e a emergência climática, misturam-se a tradicionais problemas que afligem o mundo, como as guerras e as pandemias. Não bastasse a complexidade individual de cada um desses desafios, em nosso tempo as crises articulam-se entre si e atravessam fronteiras entre praticamente quaisquer jurisdições.

Em 2024, o Rio de Janeiro e o G20 não escapam à policrise contemporânea.

1. Os traumas do Rio de Janeiro

Não é exagero pensar que o Rio de Janeiro passou nos últimos anos por alguns dos piores momentos de sua história. Afligido por um volume impressionante de noticiário negativo, o Rio tornou-se vítima de um discurso que o percebe como um espaço perdido para o crime organizado, para a violência, para a corrupção e para o subdesenvolvimento.

Os fios que teceram a trama são muitos. Da queda na sensação de segurança da população, especialmente em função do fortalecimento do crime organizado, ao engalfinhamento de numerosas lideranças estaduais em escândalos de corrupção — totalizando seis Governadores presos —, ao efeito colateral da crise econômica condicionada pela Operação Lava Jato sobre a indústria de óleo e gás baseada Rio, uma policrise emperra o potencial de futuro do Rio de Janeiro (a cidade e o Estado, não raro indistinguíveis aos olhos da opinião pública não especializada).

As dificuldades enfrentadas pelo Rio de Janeiro, porém, antecedem seu passado recente. Na década de 1960, a transferência da capital federal para Brasília desafiou o Rio a se reinventar. Já no ano de 1975, em continuidade ao mesmo processo pouco cuidadoso de reorganização política do território nacional, a fusão entre o Estado da Guanabara (antigo Distrito Federal do Rio de Janeiro) e o Estado do Rio de Janeiro impôs dificuldades à sincronização do horizonte estratégico de Cidade e Estado do Rio de Janeiro que duram até hoje.

Já ao final do século XX, o crime organizado no Brasil amadureceu nas prisões de suas grandes cidades, com o Rio de Janeiro recebendo em cheio uma crise de violência urbana que só fez crescer nas últimas décadas. Nos anos 2000, Cidade e Estado do Rio de Janeiro somaram ao medo das organizações criminosas nascidas em presídios o medo das milícias — organizações criminosas nascidas da promiscuidade entre polícia e política.

Apesar dos pesares, como cantou Gonzaguinha, sabendo do sufoco de um jogo tão duro, o Rio de Janeiro seguiu em frente e segurou o rojão.

Chega a 2024 um Rio de Janeiro que, apesar de conjunturas desfavoráveis, foi capaz de sobreviver e que se encontra pronto para dar o próximo passo de sua reinvenção para o futuro.

Nesse contexto, pensar a inserção internacional do Rio de Janeiro, em geral, e a recepção carioca do G20, em especial, é oportunidade de disputar a imagem sobre o Rio de Janeiro construída nos últimos anos, e de sugerir ao mundo, ao Brasil — e aos próprios cariocas — novos vetores de identidade para o Rio.

2. Traumas do Brasil

A espiral de crise vivida pelo Rio de Janeiro nos últimos anos é metonímia de uma crise nacional. Com uma economia estaganada há aproximadamente uma década e um sistema político em disrupção pelo menos desde 2013, não faltam observadores da cena nacional a considerar que os últimos 10 anos foram verdadeira década perdida para o Brasil.

A tempestade se formara muito antes, porém. Desde a metade da década de 1980, globalização, redemocratização, estabilização econômica e novas classes de renda floresceriam uma nova sociabilidade brasileira — cada vez mais contemporânea, aberta e conectada em redes. A mudança, pois desafiadora de uma velha ordem, foi negligenciada. Às proximidades de a Constituição Cidadã completar um quarto de século, as elites político-partidárias que controlavam o Estado brasileiro insistiam em reconhecer uma sociedade irremediavelmente “parental, clânica e autoritária” — na feliz descrição do autoritarismo instrumental de Oliveira Viana por Wanderley Guilherme dos Santos.

Em 2013, a bolha estourou. Milhões de pessoas tomavam as ruas do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Brasília para reivindicar um saldo de qualidade na relação entre Estado e sociedade no Brasil. Mais do que por 20 centavos, o espírito de 2013 acirrou a disputa eleitoral de 2014 — mal perdida pelos perdedores, e mal vencida pelos vencedores. No ano seguinte, uma crise econômica que se anunciava havia anos fez seu caminho até os mercados, as casas e, novamente, as ruas. Impeachment e Operação Lava-Jato convulsionaram um já putrefato sistema político.

A excepcionalidade da conjuntura política brasileira criou contexto em 2018 para uma intervenção federal na segurança pública do Estado do Rio de Janeiro. No mesmo ano, o assassinato da Vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes escancarou para Brasil e para o mundo, desde o Rio de Janeiro, uma policrise nacional.

No final da década de 2010, quatro anos de governo de Jair Bolsonaro danificaram ainda mais as incipientes capacidades estatais do Estado brasileiro. A milhares de quilômetros do Rio de Janeiro, a Amazônia brasileira foi vítima de um arrocho da capacidade estatal para prevenir e combater o crime organizado socioambiental — o garimpo ilegal, o desmatamento ilegal, a grilagem e o roubo de terras em geral. Entre o Rio e a Amazônia, a nova capital, Brasília, viu o esquema constitucional de freios e contrapesos danificado pelo escândalo do “Orçamento Secreto”.

No plano da política externa, a imagem brasileira no mundo foi vandalizada. Ameaças à estabilidade democrática do país, o sadismo climático e ambiental como política de governo e uma cruzada contra o dito “globalismo” por pouco não legaram ao país uma posição definitiva como pária entre as nações.

3. Traumas do mundo

Após cerca de 30 anos de relativa estabilidade geopolítica sob égide da unipolaridade norte-americana, a ordem internacional encontra-se em convulsão.

No alvorecer da década de 2000, sob o pretexto de endereçar o criminoso atentado terrorista ao World Trade Center, uma invasão norte-americana ao Iraque ao arrepio do Conselho de Segurança da ONU desfere duro golpe à saúde de um sistema internacional baseado em regras. Em que pese um triunfante Consenso de Washington, interesses nacionais parecem incapazes de coordenar uma agenda de livre comércio global. Em 2008, o mercado financeiro norte-americano entra em colapso, levando consigo toda a economia global. No bojo de uma policrise em formação, a Europa questiona seu próprio projeto de unidade. Novo e forte, o Euro se enfraquece e envelhece. Velho e forte, o nacionalismo se reapresenta como resposta à falta de esperança.

Antes de a democracia iliberal vingar na Europa, o Mundo Árabe ensaiou um caminho para a democracia liberal. Na Síria e na Venezuela, no Sudão e no Haiti, em Mianmar e na Palestina, os direitos humanos seguiam sendo as primeiras vítimas da guerra.

Contra os partidos democrata e republicano, Donald Trump chegou à Casa Branca para catalisar um mundo em convulsão no mesmo ano em que o Reino Unido divorciou-se da União Europeia. O multilateralismo e o direito internacional encontravam seu maior desafio desde o final da Segunda Guerra Mundial — agora pelas mãos dos seus próprios arquitetos. A velha desigualdade que aflige os povos, na forma do racismo, da intolerância religiosa da violência de gênero e da homofobia, persistem como inimigos poderosos da dignidade humana consagrada na Carta da ONU.

Do outro lado do mundo, o “rise of the rest” posicionava a Ásia — com protagonismo da China — como novo centro de gravidade da economia global. Entre 1980 e 2010, enquanto a renda per capita da metade mais pobre da população chinesa só aumentava, a renda per capita da metade mais pobre da população norte-americana só decrescia. Salvo diferentes circunstâncias nacionais, processos semelhantes de crescimento econômico transformavam Índia, Nigéria, Vietnã, Indonésia, Coreia do Sul, Singapura, Tailândia, África do Sul, Chile, Colômbia, México — e, sim, Brasil — em novos atores geopolíticos e econômicos com os quais a ordem internacional deveria — mas não sabia — lidar.

Prova cabal da desfuncionalidade da ordem internacional contemporânea, uma pandemia de COVID-19  ceifou a vida de pelo menos 3 milhões de pessoas em todo o globo, sem precisar enfrentar qualquer coordenação de esforços entre nações por vacinas ou insumos médicos em geral.

Em 2022, desde Moscou, uma agressão imperial a uma nação soberana, a Ucrânia, configura-se como uma das mais sangrentas violações ao direito internacional na história recente. A indignação diante de uma tal injustiça, por sua vez, agita ânimos e engendra a propaganda que opõe democracias e autocracias — perigosamente calculando a guerra e a paz entre nações à luz de seus respectivos regimes domésticos.

Enquanto a humanidade se digladia, o Planeta sofre. Eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes denunciam que a crise climática já não é mais um medo futuro, mas ameaça do cotidiano. A agenda do desenvolvimento sustentável encarnada pelos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustnetável das Nações Unidas custa a se financiar, em especial em países pobres e emergentes — justo onde seu endereçamento é ainda mais urgente.

4. Tempo de reinvenção

À luz da história recente, o G20 emerge como oportunidade de recuperar um precioso tempo perdido. É à luz deste contexto que o Rio de Janeiro pede reinvenção.

Se, de um lado, vocações tradicionais da cidade — como o turismo e o lazer — pedem reafirmação, a necessidade e a oportunidade estão dados para a articulação de novas ideias sobre o que destaca o Rio de Janeiro entre seus pares no Brasil e no mundo.

Conhecimento, arte, cultura, inteligência, ciência e tecnologia podem ser metonímias a condensar um novo Rio de Janeiro como crucial centro decisório de decisões econômicas e políticas sobre um amanhã sustentável, seguro e desenvolvido.

A oportunidade está dada, mas ainda não conquistada.

Não é impossível que a cidade perca a oportunidade de mostrar que caminha no rumo certo apesar de persistirem problemas estruturais. Em verdade, o caminho mais seguro provavelmente envolveria mera recepção da agenda de eventos, mera arrecadação divisas e movimentação da indústria hoteleira local. Este arranjo, “mais do mesmo”, desperdiçaria a oportunidade — única, do ponto de vista histórico — de potencializar as vocações que o Rio de Janeiro já provou, em outros tempos, ser digna de ostentar, como a capital natural do Brasil, como o centro mundial para o debate sobre desenvolvimento sustentável, como lugar geográfico da alegria e da simbiose entre a natureza e uma civilização humana moderna em um mesmo espaço geográfico.


III. Rio de Janeiro e criatividade

O que pode a cultura diante da crise?

Escrevendo ainda no longínquo começo dos anos 2000, o urbanista Richard Florida observou que a revolução da internet, já notável àquela época, estava diluindo as limitações físicas à vida em sociedade — em cidades, regiões e países.

Cerca de 20 anos depois, a pandemia de COVID-19 radicalizou a tendência observada por Florida. No ano de 2020, assistimos, a um só tempo, à desvalorização das grandes lajes comerciais para onde milhões de trabalhadores se deslocavam todos os dias em centros urbanos como Manhattan, São Paulo, Xangai e a City Londrina, e à valorização de espaços imobiliários e urbanos atentos ao conforto e à qualidade de vida — em subúrbios, regiões rurais mas também  em grandes cidades. O nomadismo digital surgiu como fenômeno de nossa época e parece ter vindo para ficar, com a adoção por países como Portugal, Bahamas, Grécia, Espanha, França, Itália e Colômbia de uma modalidade específica de visto destinada aos profissionais que buscam trabalhar — à distância — desde seus países.

A pandemia evidenciou que não é necessário fixar os pés no chão onde se ganha o pão. Mas se o endereço de trabalho já não serve como antes para entendermos nossa identidade com o local onde moramos, como as pessoas escolhem suas cidades?

Se os critérios físicos passavam ao segundo plano, o critério do potencial de criatividade de um espaço geográfico assumia protagonismo na tomada de decisão de pessoas e instituições na hora de escolher onde se fixar. Em verdade, não se trata de uma novidade histórica: nos primórdios dos séculos 19 e 20, as cidades emergiram como centros fabris onde os empregos daquela era do capitalismo se concentravam. É apenas muito depois, já nos anos 1970 que, em países como o Brasil e os Estados Unidos, grandes plantas industriais se deslocam para subúrbios (como o ABC paulista ou a região metropolitana de Nova York), dando lugar na Avenida Paulista ou no Soho a galerais de arte, restaurantes, museus e teatros.

Com a transformação do capitalismo, muda também a vocação de uma área urbana. Na década de 2020, a revolução digital imprime a cidades como Rio de Janeiro, mais do que uma vocação classicamente fabril, uma oportunidade de centralidade para a classe criativa.

IV. Agenda para um Independent Expert Group

É comum, no âmbito de encontros multilaterais de cúpula como o G20, a criação de Independent Expert Groups. Os grupos de especialistas independentes, ou IEGs, podem ser nomeados ou criados temporariamente para fornecer aconselhamento ou conduzir análises específicas sobre questões de interesse para o G20. Esses grupos podem ser compostos por especialistas renomados em áreas como economia, finanças, segurança alimentar, saúde, mudanças climáticas, entre outros. A formação de tais grupos é uma prática comum em organizações internacionais e fóruns para garantir a obtenção de opiniões imparciais e especializadas sobre determinados temas.

A presidência indiana do G20 em 2023 estabeleceu a criação de um Grupo Independent de Especialistas (Independent Expert Group) para formular recomendações sobre o fortalecimento dos bancos multilaterais de desenvolvimento (MDBs). Na experiência do IEG indiano, coube aos economistas Larry Summers e NK Singh liderar a convocação de um grupo — dentre os quais estava o economista brasileiro Armínio Fraga — que ajudasse a sinalizar uma vanguarda no debate a ser travado sobre o tema ao longo do ano na Índia.

Sem prejuízo de que outros temas estratégicos venham a ser privilegiados com o estabelecimento de seus próprios IEGs por autoridades de governo ou da sociedade civil, nossa proposta é a de criação de um Independent Expert Group da Cultura para o G20 no Rio de Janeiro, com o objetivo de formular recomendações às autoridades de governo (municipal, estadual e federal), ao setor empresarial e ao terceiro setor brasileiro com vistas ao fortalecimento do Rio de Janeiro como cidade atrativa à classe criativa global.

Nossa proposta é a de criação de um Independent Expert Group da Cultura para o G20 no Rio de Janeiro, com o objetivo de formular recomendações às autoridades de governo (municipal, estadual e federal), ao setor empresarial e ao terceiro setor brasileiro com vistas ao fortalecimento do Rio de Janeiro como cidade atrativa à classe criativa global.

Em que pese a inevitável primeira tarefa de desenhar sua própria agenda de temas, tomamos aqui a liberdade de sugerir duas agendas iniciais, essencialmente pertinentes ao potencial criativo do Rio de Janeiro, para o IEG da Cultura:

Agenda 1: A Balança Comercial da Cultura

Em que pese sua oportunidade de gerar debates sobre os mais variados temas, o G20 é, ao fim e ao cabo, um fórum internacional sobre economia.

O que — e quanto — a cultura brasileira exporta? Que produtos culturais o Brasil importa para seu consumo? Do ponto de vista anedótico, sabemos da força com que o samba é associado ao Brasil no estrangeiro, da força do futebol brasileiro entre torcedores europeus. Ao mesmo tempo, os menus gastronômicos de cidades como São Paulo e Rio Janeiro são povoados por comidas típicas de México, Japão, China e Itália.

Não é difícil encontrar uma abundância de dados e microdados sobre o tamanho e a forma de certas trocas comerciais havidas entre as maiores economias do mundo. Um grupo de pesquisadores do Massachussetts Institute of Technology, por exemplo, elaborou o Observatório da Complexidade Econômica, ambicioso monitor das trocas comerciais havidas entre praticamente todos os países do mundo.

Com foco fundamentalmente no mercado de commodities, porém, ainda há de ser criada iniciativa de pesquisa aplicada semelhante para produtos culturais.

Em uma agenda de pesquisa aplicada, a presidência brasileira do G20 no Rio de Janeiro dá ocasião para um olhar sobre o tamanho e a forma das trocas comerciais havidas entre os membros do G20 no âmbito da indústria cultural. De posse deste conhecimento, tomadores de decisão em várias instâncias do Estado brasileiro estariam munidos de argumentos e evidências para priorizar determinadas vocações criativas de suas regiões.

Agenda 2: O G20 como Experiência Turístico-cultural

A experiência indiana do G20 deu centralidade à programação cultural dos eventos oficiais e paralelos como ferramenta de uma narrativa sobre a história e o futuro do país, objeto de cuidadosa articulação pelo pensamento estratégico oficial de Nova Déli. No melhor estilo asiático, foram raros os momentos em que delegados, jornalistas e autoridades foram deixados à própria sorte — ou à própria curiosidade, espírito crítico ou investigativo — para conhecer o país pelas próprias mãos e olhos.

Se, de um lado, a priorização de um itinerário artístico e cultural como parte da própria essência do objetivo diplomático do G20 pode inspirar atitude semelhante entre nós, brasileiros, de outro, parece difícil vislumbrar um nível semelhante de centralização da agenda cultural como a desenhada na Índia.

A pergunta vem à tona: como balancear uma programação que aponte o Rio que queremos, sem lançar mão de uma excessiva centralização da agenda artística e cultural do G20?

A roteirização da cidade tem relevância prática. O Rio de Janeiro, provavelmente mais do que qualquer outra cidade no mundo, tem em sua natureza um ativo de beleza incalculável. Ainda que exuberante, a natureza por si não inspira nem justifica a aspiração brasileira e carioca por um lugar nos corações e mentes do mundo. Entre os morros e florestas, uma fascinante história da relação entre cultura e natureza ao longo da história precisa ser contada.

Ao mesmo tempo, a exuberância da arte brasileira cristalizada na geografia do Rio de Janeiro merecerá ser destacada — até mesmo por coincidir com endereços estratégicos para o próprio G2O. Foi afinal, no MAM hoje cogitado como sede da Cúpula de Chefes de Estado do G20 que Helio Oiticica apresentou sua “Tropicália” pela primeira vez, até hoje abrigando importante acervo de Tarsila, Portinari, Di Cavalcanti e Andy Warhol. Seu próprio projeto arquitetônico, assinado por Affonso Eduardo Reidy e os entornos do edifício com a assinatura do paisagista Roberto Burle Marx são ímãs para olhares talentosos do mundo inteiro que venham a aportar no Rio de Janeiro.

A região portuária, há pouco tempo lugar da mais grave criminalidade e abandono na cidade, hoje encontra-se revitalizada e em franco processo de desenvolvimento urbano e valorização econômica. Como contar essa história? A que perfil de público do G20 — jornalistas, investidores — poderá interessar este olhar para um passado recente que explica o futuro com que sonha o povo carioca?

Nota sobre o contribuidor

Pedro Vormittag é Diretor-Adjunto de Relações Externas do CEBRI, Centro Brasileiro de Relações Internacionais, think-tank baseado no Rio de Janeiro e dedicado a pensar o lugar do Brasil no mundo. Formado em direito na Universidade de São Paulo, Pedro obteve seu mestrado em Relações Internacionais na Universidade de Columbia e o mestrado em Gestão Internacional na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. Sob liderança do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso e do Embaixador Rubens Ricupero, Pedro atuou como Diretor de Conteúdo e Pesquisa do Programa Legado Global. Ensinou direito internacional e desenvolvimento sustentável na Faculdade do Comércio de São Paulo e trabalhou na Prefeitura de São Paulo como Coordenador-Adjunto de Juventude na Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania e Diretor de Departamento da Secretaria de Esporte e Lazer.